'Inteligência
Multifocal'

Uma das mais
importantes explorações do homem, se não a maior delas, é a exploração de si
mesmo, do seu próprio mundo intrapsíquico. Aprender a se interiorizar; a criar
raízes mais profundas dentro de si mesmo; a explorar a história intrapsíquica
arquivada na memória; a questionar os paradigmas socioculturais; a trabalhar
com maturidade as dores, perdas e frustrações psicossociais; aprender a
desenvolver consciência crítica, a conhecer os processos básicos que constroem
os pensamentos e que constituem a consciência existencial são direitos fundamentais
do homem. Porém, frequentemente, esses direitos são exercidos com
superficialidade na trajetória da vida humana. Um dos principais motivos do
aborto desses direitos é que o homem moderno tem vivido uma dramática crise de
interiorização.
O ser humano, como complexo ser pensante é um exímio explorador.
Ele explora, ainda que sem a consciência exploratória, até mesmo o meio
ambiente intra-uterino, através dos malabarismos fetais e da deglutição do
líquido amniótico. E, ao nascer, em toda a sua trajetória existencial, explora
o mundo que o envolve, o rico pool de estímulos sensoriais e interpreta-os.
Pelo fato de
experimentar, desde sua mais tenra história existencial, os estímulos
sensoriais que esquadrinham a arquitetura do mundo extrapsíquico, o homem tem a
tendência natural de desenvolver uma trajetória exploratória exteriorizante.
Nessa trajetória, ele se torna cada vez mais íntimo do mundo em que está, o
extrapsíquico, mas, ao mesmo tempo, torna-se um estranho para si mesmo.
O homem moderno, em
detrimento dos avanços da ciência e da tecnicidade, vive a mais angustiante e
paradoxal de todas as solidões psicossociais, expressa pelo abandono de si
mesmo na trajetória existencial.
A pior solidão é aquela
em que nós mesmos nos abandonamos, e não aquela em que nos sentimos abandonados
pelo mundo. É possível nos abandonarmos na trajetória existencial? Veremos que
sim. Quando o homem não se repensa, não se questiona, não se recicla, não se
reorganiza, ele abandona a si mesmo, pois não se interioriza, ainda que tenha
cultura e múltiplas atividades sociais.
Os livros de
auto-ajuda, embora não tenham grande profundidade intelectual, são procurados
com desespero nas sociedades atuais, como tentativa de superar, ainda que ineficientemente,
a grave crise de interiorização que satura as pessoas. O homem que não se
interioriza é algoz de si mesmo, sofre de uma solidão intransponível e
incurável, ainda que viva em multidões.
"O homem que não
se interioriza dança a valsa da vida engessado intelectualmente." Sua
flexibilidade intelectual fica profundamente reduzida para solucionar seus
conflitos psicossociais, superar suas contrariedades, frustrações e perdas.
E mais fácil explorar
os fenômenos do mundo que nos envolve do que aprender a nos interiorizar e ser
caminhantes na trajetória de nosso próprio ser e explorar os fenômenos contidos
em nosso mundo intrapsíquico. É mais fácil e confortável explorar os estímulos extrapsíquicos,
que sensibilizam nosso sistema sensorial, do que explorar os sofisticados
processos de construção dos pensamentos, o nascedouro e desenvolvimento das
idéias, a organização da consciência existencial, as causas psicodinâmicas e
histórico-existenciais de nossas misérias, fragilidades, contradições
emocionais, etc.
Mergulhado num processo
socioeducacional que se ancora na transmissibilidade e no construtivismo do
conhecimento exteriorizante, o homem se torna um profissional que aprende a
usar, com determinados níveis de eficiência, o conhecimento como ferramenta ou
instrumento de trabalho. Porém, tem grandes dificuldades para usar o
conhecimento para desenvolver a inteligência: aprender a percorrer as avenidas
da sua própria mente, conhecer os limites e alcance básicos da construção de
pensamentos, regular seu processo de interpretação através da democracia das
idéias e tornar-se um pensador humanista, que trabalha com dignidade seus
erros, dores, perdas e frustrações, e aprende a se colocar no lugar do
"outro" e a perceber suas dores e necessidades psicossociais.
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