Por Elton Alisson, de
São Carlos, da Agência FAPESP
Pesquisadores
brasileiros desenvolveram um novo tratamento não invasivo para o câncer não
melanoma, o mais frequente no Brasil e no mundo
Os pacientes com câncer
de pele não melanoma poderão contar, em breve, com uma nova tecnologia para o
tratamento não invasivo desse tipo de tumor cutâneo – o mais frequente no
Brasil e no mundo.
Um grupo de
pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo
(IFSC-USP) desenvolveu, nos últimos anos, um dispositivo para o diagnóstico e
tratamento óptico do câncer de pele não melanoma com resultados promissores,
principalmente na eliminação de tumores iniciais. O procedimento está em
processo de avaliação para ser implementado no Sistema Único de Saúde (SUS).
A técnica, criada no
Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CEPOF) – um dos Centros de Pesquisa,
Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP –, foi apresentada durante a
Escola São Paulo de Ciência Avançada em Tópicos Modernos em Biofotônica.
Apoiado pela FAPESP, na
modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada, o evento foi realizado entre
os dias 20 e 29 de março no IFSC-USP. O encontro reuniu estudantes de
pós-graduação e jovens pesquisadores do Brasil e do exterior com o objetivo de
discutir tópicos avançados na área de biofotônica, que usa tecnologias baseadas
na manipulação de fótons, ou seja, a luz, para aplicações biológicas.
“O dispositivo foi
desenvolvido no Brasil, com tecnologia totalmente nacional”, disse Cristina
Kurachi, professora do IFSC-USP e uma das autoras da técnica, à Agência FAPESP.
O equipamento,
fabricado pela empresa MM Optics, em São Carlos, é composto por um dispositivo
capaz de reconhecer e verificar a extensão de lesões tumorais por fluorescência
óptica em minutos. Após a identificação da lesão, é aplicada no local uma
pomada à base de metilaminolevulinato (MAL) – um derivado do ácido
5-aminolevulínico (ALA) –, desenvolvida pela empresa PDF-Pharma, em Cravinhos.
Após duas horas de contato com a pele, o composto é absorvido e dá origem, no
interior das mitocôndrias das células tumorais, à protoporfirina – pigmento
fotossensibilizante “primo” da clorofila.
Após remover a pomada
da lesão, a região é irradiada por 20 minutos com um dispositivo contendo uma
fonte de luz LED vermelha a 630 nanômetros integrada ao equipamento.
A luz ativa a
protoporfirina e desencadeia uma série de reações nas células tumorais, gerando
espécies reativas de oxigênio capazes de eliminar as lesões. Já os tecidos
sadios são preservados.
Após o procedimento,
são geradas imagens de fluorescência – também por meio do equipamento – para
assegurar a irradiação total das lesões.
O tratamento ocorre em
duas sessões, com intervalo de uma semana entre elas. Após 30 dias, as lesões
são reavaliadas e submetidas a uma biópsia para confirmar se os tumores foram
eliminados.
Por meio de um projeto,
apoiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
pela Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), foram feitos ensaios clínicos
para a validação da técnica em 72 centros de saúde em todo o país. O estudo
multicêntrico foi coordenado por Vanderlei Salvador Bagnato, professor do
IFSC-USP e coordenador do CEPOF.
No Hospital Amaral
Carvalho de Jaú, interior de São Paulo, por exemplo, foram tratadas com o novo
método mais de 2 mil lesões de pacientes atendidos pela instituição e treinados
40 grupos de médicos para usar a técnica. Além dos hospitais, ambulatórios e
clínicas no Brasil, foram realizados estudos clínicos em outros nove países da
América Latina.
Os resultados dos
ensaios clínicos mostraram que o tratamento foi capaz de eliminar 95% dos
tumores, sem efeitos colaterais, causando apenas leve vermelhidão no local e
sem a formação de cicatriz.
“A despeito de estarmos
em um Instituto de Física, temos feito medicina translacional, ou seja,
conseguido transferir os resultados de pesquisa básica para aplicações clínicas
que beneficiam a população, especialmente a mais carente”, avaliou Kurachi, um
dos membros da coordenação da ESPCA em Biofotônica.
Pesquisa translacional
O caráter translacional
da pesquisa feita pelo grupo do IFSC-USP foi justamente um dos fatores que
despertaram o interesse do pesquisador Fleury Augustin Nsole Biteghe em vir ao
Brasil para participar do evento.
Pós-doutorando em
biologia química na Universidade de Cape Town, na África do Sul, onde estuda a
aplicação de terapia fotodinâmica para tratar câncer de pele, Biteghe soube do
evento ao participar de uma conferência sobre terapia fotodinâmica no ano
passado, na Alemanha, em que foram apresentados alguns resultados de trabalhos
feitos pelos pesquisadores do IFSC-USP.
“Fiquei impressionado e
muito interessado em fazer parte das pesquisas desse grupo no Brasil, que tem
mostrado ser possível fazer pesquisa translacional que resulte em novos
tratamentos para o câncer de pele. Pretendo me candidatar a um pós-doutorado
nesse grupo de pesquisa para aprender e levar essa experiência para a África do
Sul, onde temos enfrentado obstáculos para desenvolver tecnologias que
possibilitem usar a terapia fotodinâmica na prática clínica”, disse Biteghe.
A Escola reuniu 138
estudantes de pós-graduação e pesquisadores em início de carreira, dos quais 48
eram do exterior – oriundos de países como Estados Unidos, Finlândia, Noruega,
Rússia, Polônia, Canadá e Argentina, entre outros – e 90 brasileiros, de diferentes
regiões do país.
A programação do evento
foi composta por apresentação de pôsteres científicos, palestras e cursos
ministrados por alguns dos maiores especialistas em áreas como óptica tecidual,
neurofotônica e biossensores.
Um dos pesquisadores participantes
foi Gang Zhen, professor da Universidade de Toronto e cientista sênior do
Princess Margaret Cancer Centre, ambos no Canadá. Em 2011, o pesquisador e
colegas de seu laboratório descobriram a primeira partícula nanométrica (da
bilionésima parte do metro) totalmente orgânica com propriedades biofotônicas
sem precedentes, obtida a partir da porfirina.
Mais recentemente, os
pesquisadores desenvolveram microbolhas maiores de porfirina que, ao serem
expostas a ultrassom de baixa frequência, arrebentam e formam nanopartículas
com as mesmas propriedades ópticas que a microbolha original.
“Essas nanopartículas
podem ser usadas simultaneamente para obter imagens de tumores e fazer drug
delivery [carreamento de fármacos] para o tratamento de câncer”, explicou Zhen
durante sua palestra.
O evento também teve a
participação de pesquisadores do Brasil, Portugal, Israel, Inglaterra, Espanha,
Estados Unidos e Rússia.
“Convidamos
pesquisadores de diferentes países para que os estudantes pudessem ter um
panorama geral da pesquisa em biofotônica que tem sido feita em várias partes
do mundo”, disse Kurachi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário