Por: Francisco Vêneto
Deixamos de aproveitar
uma parte inestimavelmente rica do imenso tesouro do cristianismo ao não
entender a sublimidade da sua dimensão física
Uma das características
mais fascinantes do culto católico dedicado a Deus é o fato de que ele engloba
coração, mente, espírito e corpo. Mas o fato de englobar também o corpo costuma
receber menos importância do que deveria – o que é uma grande pena, pois
deixamos de aproveitar uma parte inestimavelmente rica do imenso tesouro do
cristianismo.
Sim, o catolicismo tem sólido
enraizamento no mundo concreto, tangível. Afinal, Deus não nos criou apenas
como almas imortais, mas como unidades indissociáveis de alma e corpo – tanto é
que nos ressuscitará em corpo e alma para a eternidade. Vem daí a dignidade
intrínseca do nosso corpo, templo do Espírito Santo, e, no entanto, tantas
vezes menosprezado por interpretações equivocadas e até heréticas sobre a nossa
dimensão corpórea.
Assim como nós fomos
criados com alma e corpo, também a nossa fé possui uma dimensão “corpórea”, sensível,
tangível. Essa “corporeidade” da fé católica decorre do próprio fato de que,
mesmo sendo Espírito puro, Deus está presente e Se manifesta na materialidade
da Sua criação.
REVELAÇÃO – Ele
intervém na história com a Sua Revelação, que se realiza mediante uma longa
série de manifestações sensíveis. Não é à toa, a propósito, que, nas palavras
de São João Paulo II logo nas primeiras linhas de sua célebre encíclica Fides
et Ratio, “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o
espírito humano se eleva à contemplação da verdade“.
ENCARNAÇÃO – Ele mesmo
decidiu encarnar-Se, com direito a ter uma Mãe amorosíssima e compartilhá-la
com todos nós, Seus irmãos: em Jesus Cristo, Ele Se fez carne, Se fez homem,
tornou-Se matéria conosco e foi homem em tudo, exceto no pecado.
SINAIS – Ele instituiu
sinais visíveis da Sua graça, como os sacramentos. O batismo, a comunhão, a
confissão, a confirmação, o matrimônio, a ordenação sacerdotal e a unção dos
enfermos não são atos “apenas” espirituais, mas também físicos, que, além da
intenção, requerem forma e matéria: água, santos óleos, palavra…
EUCARISTIA – Dentre os
sacramentos, um é particularmente destacado quando se trata de “materialidade”:
Ele próprio continua presente, visível, tangivelmente, sob os véus da
Santíssima Eucaristia, que não é um “símbolo” apenas, mas Presença Real: Ele é
Corpo e Sangue; Ele Se entrega a nós como alimento, espiritual e fisicamente,
na Santíssima Comunhão.
SACRAMENTAIS – A
fisicidade da Igreja também se expressa no uso dos sacramentais, objetos
abençoados presentes em nosso cotidiano e que podem ser quase “qualquer coisa”,
desde um punhado de sal abençoado até um crucifixo, passando por medalhas como
a Milagrosa, a de São Cristóvão e a de São Bento, pelo escapulário e pelo
rosário, pelas relíquias de santos e do próprio Cristo…
ARTE SACRA E LITURGIA –
A dimensão material presente em nossa fé enriquece a nossa experiência real do
divino e do sagrado aqui e agora, evocando Deus e a nossa união com Ele
mediante as belezas extraordinárias da escultura e da pintura sacra, os acordes
sublimes da música sagrada, o maravilhoso conjunto dos objetos e paramentos
litúrgicos…
ARQUITETURA SAGRADA –
Na arquitetura sacra católica, edifícios inteiros são erguidos como evocação e
convite à nossa união com Deus em corpo e alma, espírito e mente. Não é à toa
que, todo dia 9 de novembro, a Igreja chega a celebrar a natureza física da
nossa fé mediante a festa de São João de Latrão: uma festa litúrgica dedicada a
um edifício!
RITOS E TRADIÇÕES – A
vida católica é tão concretamente ligada às realidades culturais, geográficas e
históricas dos cristãos que, preservando a unidade essencial da doutrina e da
fé, admite uma riqueza surpreendente de ritos e tradições litúrgicas: você
sabia que a Igreja Católica é formada por nada menos que 24 igrejas “sui
iuris“, autônomas e ao mesmo tempo unidas pelo mesmo credo?
SEXUALIDADE MATRIMONIAL
– A entrega mútua dos nossos próprios corpos como homens e mulheres em ato de
amor exclusivo e indissolúvel mediante a sexualidade vivida e desfrutada sob as
bênçãos de Deus é tão sagrada que existe um sacramento dedicado a ela: o
sagrado matrimônio. Além disso, a Igreja nos oferece toda a espetacular riqueza
da Teologia do Corpo, tão bem apresentada ao mundo por São João Paulo II!
CUIDADO DA CRIAÇÃO –
Quando se conhece e se vive em plenitude o tesouro inesgotável da fé católica,
que abrange a integralidade do nosso ser sem deixar absolutamente nada de fora,
torna-se natural respeitar e cuidar da criação de Deus manifestada
materialmente não só na natureza a ser preservada, mas, principalmente, no
nossos próximo, que é corpo e alma em unidade querida e criada por Deus.
DIGNIDADE HUMANA – É
por isso que, diante de tantas agressões contra o corpo, materializadas em
violências de toda ordem, assassinatos, torturas, abortos, eutanásias, vícios
autodestrutivos, nem sempre se compreendem e se recebem com clareza os
argumentos e exortações de natureza espiritual; é que nos falta algo ainda mais
básico: perceber e admirar a maravilha, a sublimidade e a dignidade excelsa da
nossa própria corporeidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário