Por: Franciscanos.org
"O silêncio não consiste apenas em ausência de
barulho. Quase esquecemos isto"
Sabemos perfeitamente que toda sorte de silêncio não
pode ser saudada com entusiasmo. Há mutismos hediondos e silêncios mortais. É
certo, no entanto, que precisamos redescobrir os mistérios do silêncio.
A editora Albin Michel, de Paris, publicou um texto
provocativo sobre o silêncio através da história.
Transcrevemos aqui o prólogo
do texto, o prelúdio, como escreve o seu autor. Esta página de abertura do
livro serve para nosso começo de conversa.
O silêncio não consiste apenas em ausência de
barulho. Quase esquecemos isto. Pontos de referência auditivos foram se
desnaturando, enfraquecendo, dessacralizando. O medo e até mesmo o horror pelo
silêncio foram se intensificando.
No passado, os homens do Ocidente degustavam a
profundidade e os sabores do silêncio.
Consideravam-no como condição para o
recolhimento, escuta de si, meditação, oração, sonho, criação, de modo todo
particular como lugar interior de onde brota a palavra. Enumeravam suas
características sociais. A pintura era para eles palavra de silêncio.
A intimidade dos lugares, de modo especial a do
quarto e dos objetos de cada um, como da casa era toda tecida de silêncio.
Depois do advento da alma sensível no século XVIII, os homens, inspirados pelo
código do sublime, apreciavam os mil silêncios do deserto e sabiam percebê-los
no alto de uma montanha, à beira mar ou nas paragens do interior.
O silêncio testemunhava a intensidade do encontro
amoroso e parecia mesmo a condição para a fusão. Era presságio da duração dos
sentimentos.
A vida do doente, a proximidade da morte, a presença diante de um
túmulo suscitavam uma gama de silêncios que em nossos dias nada mais do que
remanescências e resíduos.
Como melhor experimentar tal coisa senão mergulhando
em citações de muitos autores, efetuando assim uma verdadeira pesquisa
estética? As citações de autores permitem ao leitor sentir como no passado se
encarava o silêncio.
Nos tempos modernos ficou difícil fazer silêncio o
que, inegavelmente nos impede de ouvir a palavra interior que acalma e
apazigua.
A sociedade insta a que as pessoas deem sua anuência ao barulho para
sentir-se parte integrante do todo em vez de se colocar à escuta de si. Desta
maneira acha-se modificada a própria estrutura do indivíduo.
Seguramente, alguns andarilhos solitários, artistas
e escritores, praticantes da meditação, homens e mulheres retirados em
mosteiros, aqueles que ocasionalmente visitam túmulos e mausoléus e, sobretudo
os enamorados que se olham e se calam estão em busca do silêncio e permanecem
sensíveis às suas texturas. Eles, no entanto, são como viajantes que
naufragaram numa ilha, em breve deserta, cujas margens vão sendo corroídas.
O problema maior não consiste, como se poderia
pensar, na acentuação da intensidade da grande balbúrdia no espaço urbano.
Graças à ação de militantes, ambientalistas, ecologistas, legisladores,
higienistas, técnicos que analisam os decibéis, o barulho das cidades que se
tornou outro não é sem dúvida mais ensurdecedor do que no século XIX.
O
essencial da inovação consiste na hipermediatização, na permanente conexão, no
incessante fluxo de palavras que se impõem ao indivíduo e que o levam a temer o
silêncio.
A evocação, neste livro, do silêncio passado, do
modo como era buscado, suas texturas, disciplinas e táticas, a riqueza e a
força de sua palavra, pode contribuir par a reaprender a fazer silêncio, em
outras palavras, fazer com que o indivíduo seja ele mesmo.
Alain Corbin
Histoire du silence – De la Renaissance à nos jours
Albin Michel,
Paris, 2016, p. 9 a 12
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