Padre Paulo Ricardo
Freud explica? Não, os
santos explicam!
Muitos psicanalistas
não creem na possibilidade de uma vida casta. E isso se deve às teses de seu
pai fundador, Sigmund Freud; para quem a pregação cristã sobre a castidade,
seja no matrimônio, seja no celibato, não passava de uma espécie de armadura
colocada sobre o ser humano. Em seus escritos, Freud considera o homem um
animal defeituoso, dominado por uma pulsão que o leva à vida: o eros. O homem,
portanto, deseja fazer sexo, ter prazer. Não obstante, há uma estrutura no
mundo que, segundo Sigmund Freud, o oprime, impedindo-o de realizar todos os
seus desejos. Essas estruturas, por sua vez, seriam apenas uma superfície, uma
crosta artificial, cujo intuito não poderia ser outro senão mascarar as reais
inclinações do gênero humano. Foi baseado nessa argumentação que Freud chegou a
ensinar aos seus alunos que se o homem fosse colocado numa prisão com outros
malfeitores, tarados sexuais e pervertidos, em pouco tempo, todos estariam
entregues ao próprio instinto, fossem eles padres, advogados, médicos, juízes, etc.
Essa afirmação de
Sigmund Freud, não obstante, já foi bastante refutada nos últimos decênios,
inclusive por um de seus alunos mais famosos: Viktor Frankl[1]. Victor Frankl
padeceu os horrores do regime nazista, nos campos de concentração da Áustria, onde
foi mantido por quase três anos. Em meio àquela tragédia, marcada por um
sentimento cortante de terror e medo, o médico psiquiatra viveu na pele o que
seu mestre, Freud, havia apenas descrito na teoria: a fome, a tortura, o
desespero e a dor. Mas para frustração da psicanálise freudiana, Frankl
descobriu que quando os indivíduos daquele ambiente tinham em que se agarrar,
surgia-lhes uma faísca de esperança, que os mantinha vivos e mais saudáveis, ao
passo que aqueles que já não viam mais sentido algum em sua existência
entregavam-se facilmente à morte. Dessa experiência nasceu o famoso livro
“Man’s search for meaning”, no qual Frankl discorre sobre a busca do homem por
um sentido na vida.
Mas antes que Viktor
Frankl fizesse essa constatação, já havia na teologia católica quem a tivesse
feito. Santa Teresa d’Ávila, por exemplo, no seu livro Castelo interior, faz
uma analogia muito interessante com relação à alma humana. Ela compara nossa
alma a um castelo, dizendo que se o homem quiser realmente se conhecer, ele
deve adentrar aos quartos mais íntimos dessa morada. E a porta de entrada para
essa morada é a oração. No século XX, uma filósofa chamada Edith Stein – ou
Teresa Benedita da Cruz, como viria a se chamar após entrar para o carmelo –
começou a se interrogar perante os escritos de Teresa d’Ávila se era possível
que os psicólogos não tivessem acesso à própria alma[2]. Não estaria Santa
Teresa querendo impor uma visão exclusivamente espiritual sobre um assunto tão
vasto? Era o que se perguntava Edith Stein a respeito daqueles escritos, e qual
não foi sua surpresa quando, após muito refletir, deu-se por vencida e admitiu:
sim, somente pela oração se tem acesso à nossa alma. A alma humana, no dizer de
Santa Teresa d’Ávila, é o jardim das delícias de Deus. Deus habita dentro de
nós. Por outro lado, o pecado nos arrancou de nós mesmos, fazendo com que
saíssemos de nossa alma, isto é, do castelo interior. É por isso que Santa
Teresa diz que a maioria das pessoas encontra-se fora do castelo, fora de sua
alma, vivendo aos seus arredores. A oração, porém, consiste numa relação
amorosa com Deus, em que eu me desfaço totalmente de minhas máscaras. Quem
quiser entrar no castelo, portanto, precisa entregar-se à oração. Essa é a
única porta de entrada.
A psicologia de Freud
só foi capaz de atingir o fosso desse castelo. Ele, sim, atingiu apenas a
superficialidade da existência humana. Mas é preciso ir além. Desse modo,
insiste Santa Teresa, se se quer atingir a última morada, é necessário, pois,
admitir também nossas próprias fraquezas. Quando entramos na primeira morada
entram conosco nossos animais, sabandijas – para usar a linguagem de Teresa -,
que ficam nos mordiscando, impedindo-nos de enxergar a beleza do castelo. Isso
explica o porquê de tantos católicos, após algumas tentativas de verdadeira
conversão, desistirem no meio do caminho, dando razão às teorias de Freud.
Temos de ser mais generosos. É preciso que estejamos dispostos a dar o próximo
passo: ir para a outra morada. E é nesta relação de amor com Deus que encontramos
nossa alma e, por conseguinte, a castidade. Trata-se de uma entrega. Por isso,
deve-se fugir da atitude da mulher de Ló que, olhando para trás, à procura dos
bens que deixara, converte-se em estátua de sal. Não olhemos para trás. Olhemos
para Cristo. Ame a Deus e você encontrará a castidade.
Referências
1. Olavo de Carvalho, A
mensagem de Viktor Frankl, in Bravo, novembro de 1997.
2, Edith Stein (ou Teresa
Benedita da Cruz) foi uma filósofa e fenomenóloga judia do século XX, cujo
trabalho foi influenciado por Edmund Husserl, de quem foi aluna e assistente.
Após sua conversação, decidiu entrar para o carmelo, onde viveria até a trágica
deportação para o campo de concentração de Auschwitz, vindo a morrer na câmara
de gás. O Papa João Paulo II a canonizou em 1998, sob os auspícios de que seu
exemplo pudesse nos inspirar sentimentos de verdadeira comunhão com Deus,
sobretudo no instante da dor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário