A Solenidade
de Corpus Christi ajuda-nos a refletir sobre uma das dimensões da Eucaristia,
que é a da partilha. A partir desta dimensão, podemos inferir a dimensão social
deste Santíssimo Sacramento, por vezes esquecida na espiritualidade cristã.
Na Carta
Apostólica Mane Nobiscum Domine, São João Paulo II afirma que gostaria de
chamar a atenção dos fiéis para esta dimensão, porque sobre ela “recai em grande
medida a autenticidade da participação na Eucaristia celebrada em comunidade”
(n. 28).
Note-se que
o Pontífice não destaca aqui a exatidão do cumprimento das rubricas litúrgicas,
a confissão sacramental ou o jejum eucarístico, mas “o impulso que ela traz em
si por um empenho eficaz na edificação de uma sociedade mais equânime e
fraterna” (idem). Infelizmente ainda persistem em muitos cristãos uma
compreensão intimista e individualista deste Santíssimo Sacramento.
Combater as
causas geradoras da fome
No que tange
à fome, não bastam somente soluções assistenciais emergenciais que têm sido
praticadas com generosidade pela Igreja ao longo dos séculos. Sem deixar de
preocupar-se com as necessidades mais imediatas e com as situações de
emergência, é necessário ter um horizonte maior, que se preocupe com a
transformação das estruturas geradoras da miséria e da fome.
Existe
alimento para todos, afirmam os Bispos do Brasil. Portanto, a fome não é
resultado do aumento da população ou de outras causas naturais, mas fruto de um
sistema iníquo, que não distribui a renda, agravado com o desperdício (CNBB.
Exigências éticas de superação da miséria e da fome. Documento 69, n. 2).
João Paulo
II já afirmara anteriormente na Sollicitudo rei socialis que a miséria não é fruto
da fatalidade, mas de mecanismos perversos (n. 9) que se encarnam em
verdadeiras estruturas de pecado (n. 16). É necessário criar uma cultura da
solidariedade, que desmascare e desmonte estas estruturas perversas.
O Papa
Francisco não se cansa de dizer que não podemos dormir sossegados enquanto
houver pessoas com fome no mundo. Não podemos tolerar que se jogue comida no
lixo, enquanto há tantos famintos. O desafio “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc
6,37) implica um compromisso, tanto para transformar uma economia geradora de
morte, quanto para realizar pequenos gestos de solidariedade com os mais
sofredores (Evangelii Gaudium 53;188).
A
participação no banquete da Eucaristia tem sido para os cristãos um impulso
para a transformação da sociedade? Empenhar-se para diminuir a fome no mundo e
em volta de nós poderia ser uma boa maneira de se viver a Eucaristia.
Dai-lhes vós
mesmos de comer (Mc 6,37)
A prática de
Jesus se mostra no relato da multiplicação dos pães, que é narrada nos
evangelhos sinóticos e em João, com pequenas diferenças (Mc 6,30-44; Mt
14,13-21; Lc 9,10-17; Jo 6, 1-13).
Em todas as
narrativas Jesus se compadece com a fome do povo e provoca os discípulos. A
resposta desses é evasiva, dizendo que a multidão deve ser dispersada para
buscar alimento por si mesma. O desafio de Jesus, que atravessa os séculos e
chega até nós é: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37).
A saciedade
do povo somente ocorreu porque Jesus deslocou o coração dos discípulos da
lógica econômica que passa pelo dinheiro, para o eixo da partilha e da
solidariedade que passa pela compaixão. Primeiro veio a partilha, para que
depois aparecessem os doze cestos cheios.
Por Padre
Antonio Aparecido Alves, via Canção Nova
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