De acordo com a
pesquisadora, a descoberta foi acidental e ocorreu durante um projeto de
iniciação científica de uma estudante de Nutrição da Unimep
Por Elton Alisson, da
Agência Fapesp
As sementes da jaca
dura (Artocarpus heterophilus Lam.) poderão substituir o cacau na formulação de
produtos com aroma, mas sem o sabor de chocolate.
Um grupo de
pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade
de São Paulo (Esalq-USP), em colaboração com colegas da Faculdade de Tecnologia
(Fatec) Deputado Roque Trevisan, da Universidade Metodista de Piracicaba
(Unimep) e da University of Reading, na Inglaterra, identificou que compostos voláteis
encontrados em sementes da fruta produzem muitos dos aromas obtidos de amêndoas
de cacau. Por isso, seriam substitutos potencialmente baratos e abundantes para
a fabricação de produtos com aroma de chocolate, como cosméticos, alimentos e
bebidas.
Resultado de projetos
apoiados pela FAPESP, o estudo foi descrito em um artigo publicado no Journal
of Agricultural and Food Chemistry, da American Chemical Society.
“Constatamos que as
sementes de jaca possuem muitas pirazinas, que são os principais compostos que
conferem o aroma de chocolate”, disse Solange Guidolin Canniatti Brazaca,
professora da Esalq-USP e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com a
pesquisadora, a descoberta foi acidental e ocorreu durante um projeto de
iniciação científica de uma estudante de Nutrição da Unimep.
O projeto visava
utilizar a farinha da semente de jaca para produção de bolos, biscoitos e pães,
uma vez que a semente da fruta possui altos teores de amido e de proteínas. Ao
tostar as sementes de jaca para obter a farinha, os pesquisadores notaram que o
aroma exalado era muito semelhante ao de chocolate.
Com base nessa
constatação, eles iniciaram em 2011 um projeto de pesquisa com o intuito de
identificar os compostos voláteis da jaca.
Os resultados indicaram
que, dentre as variedades de jaca avaliadas, as sementes de jaca dura, que tem
frutos maiores e polpa mais firme e crocante do que a jaca mole, apresentam
aroma de chocolate mais intenso.
A fim de avaliar quais
os melhores métodos para obtenção da farinha de sementes torradas de jaca dura
com aroma similar ao de chocolate, a cientista de alimentos Fernanda Papa Spada
realizou um projeto de doutorado com Bolsa da FAPESP, sob orientação de
Brazaca, e em colaboração com pesquisadores da University of Reading.
Durante o projeto, os
pesquisadores produziram farinhas de semente de jaca tostadas, acidificadas ou
fermentadas antes da secagem. As farinhas foram torradas em diferentes tempos e
temperaturas e com base em processos de torrefação e fermentação semelhantes
aos utilizados para obtenção de compostos com aroma de chocolate de amêndoas de
cacau.
As análises apontaram
que a fermentação é o melhor método para obter farinha de sementes de jaca com
aroma similar ao do chocolate. As sementes só secas e tostadas – sem serem
submetidas à fermentação ou acidificação –, contudo, também apresentam uma
grande quantidade de compostos, uma vez que possuem altos teores de aminoácidos
e açúcares que, durante o processo de torrefação, reagem e produzem odores
característicos de chocolate, observaram os pesquisadores.
“Tentamos acidificar as
sementes de jaca torradas com o intuito de liberarem mais pirazinas, mas os
resultados indicaram que a acidificação resulta em alguns odores residuais
indesejáveis. Por isso, abandonamos esse processo e optamos pela fermentação
natural seguida pela secagem”, explicou Brazaca.
Por meio de técnicas de
cromatografia gasosa acopladas à espectrometria de massa – em que são separadas
e analisadas misturas de substâncias voláteis –, os pesquisadores também
identificaram diversos compostos das farinhas de sementes de jacas que estão associados
com aroma de chocolate. Entre eles, o 3-metil butanal, o
2,3-dietil-5-metilprazina e o 2-feniletil acetato.
Por intermédio de um
processo chamado olfatometria, eles separaram cada um desses compostos voláteis
e pediram para julgadores especialistas cheirá-los e apontar qual o aroma
exalado por essas moléculas e sua intensidade.
Os participantes dos
testes apontaram que as farinhas de jaca fermentadas possuem mais aromas de
caramelo, avelã e frutados em comparação com as farinhas acidificadas.
“Observamos que a
semente de cacau tem mais compostos pirazínicos do que o cacau e que as
sementes fermentadas apresentaram aroma de chocolate mais intenso devido à
formação de aldeídos e ésteres, que são característicos do cacau”, afirmou
Spada.
Formulações
Os pesquisadores
adicionaram a farinha da semente de jaca em misturas para o preparo de
cappuccino com o intuito de avaliar a possibilidade de substituição do aroma de
chocolate extraído do cacau.
Os resultados dos
testes indicaram que a farinha da semente de jaca foi capaz de substituir o
aroma de chocolate proveniente do cacau, sem interferir no sabor de café da
bebida.
“Os provadores não
perceberam nenhuma diferença do aroma de chocolate obtido da semente de jaca em
comparação com a produzida por amêndoas de cacau”, disse Brazaca.
Por meio de um projeto
de mestrado também realizado com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores pretendem
avaliar, agora, o uso de dois microrganismos, usados hoje na fermentação de
cacau – o Kluyveromyces marxianus e a Saccharomyces cerevisiae –, na
fermentação de sementes de jaca dura e seus efeitos na produção de aroma de
chocolate.
“Nossa ideia inicial
foi de promover o aproveitamento integral da jaca que é uma fruta da qual se
aproveita apenas 30% de seu peso, correspondente a sua polpa, e os 70%
restantes, compostos pela casca, a parte central e as sementes, são
descartados”, disse Brazaca.
Em alguns países, como
os da Ásia, costuma-se consumir as sementes de jaca cozida. No Brasil – país
que é o maior produtor da fruta nas Américas –, as sementes de jaca,
entretanto, são consideradas resíduos, comparou a pesquisadora.
O artigo Optimization
of postharvest conditions to produce chocolate aroma from jackfruit seeds (doi:
10.1021/acs.jafc.6b04836), de Spada e outros, pode ser lido por assinantes do
Journal of Agricultural and Food Chemistry neste link.
Este conteúdo foi
originalmente publicado no site da Agência Fapesp.
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