Pe. Fábio de Melo
JÁ SOMO LIVRE, MAS
AINDA NÃO. Parece um jogo de palavras, mas não é. Trata-se de uma perspectiva
muito interessante que pode ser explicada de maneira simples a partir de uma
frase: nem tudo o que temos já é nosso, porque carace ser conhecido e
conquistado.
É simples. já parou
para pensar nos inúmeros talentos e habilidades que você possui, mas que ainda
não desenvolveu por falta de cultivo? É disso que estamos falando. Há talentos
que só poderemos saber que possuímos se nos empenharmos para despertá-los. É
processual, isto é, carece de tempo, disciplina, projeto.
Liberdade é semelhante
a um talento. É um elemento constitutivo humano desencadeado à medida que o ser
humano se esmera no processo de torná-lo real. A conquista da liberdade se dá
no mesmo processo de torna-se pessoa.
Ao tomar posse de si
mesma, a pessoa torna-se livre para ser para o outro. Um movimento gera o
outro, de maneira que seria mais pessoa a medida que for mais livre, e mais
livre que for mais pessoa.
Toda que vez que
sofremos uma violência, de alguma forma nossa liberdade é ameaçada, isso porque
um ato de violência tem o poder de repercutir diretamente na estrutura do ser.
A violência, declarada ou velada aprisiona nossa humanidade e a priva de viver o
desafio de alcançar a si mesma. Por isso, o desafio humano da liberdade
consiste em tomar posse do que se é, mas que ainda não foi totalmente
alcançado. Para entendermos melhor essa questão, vamos nos remeter ao contexto
da filosofia de Aristóteles.
Há duas categorias
filosóficas explicitadas na reflexão de Aristóteles, ambas de fundamental
importância para uma compreensão mais a certada do que pretendemos analisar.
No afã de explicar a
realidade. Aristóteles estabelece as categorias de ato e potencia. Para ele, o
movimento da vida parte sempre da potencia ao ato, da privação à posse. O
interessante é que as categorias aristotélicas sugerem uma interação constante.
O ato é também potencia porque está na circularidade do movimento.
É ato tudo aquilo que
já é. É potencia tudo aquilo que o ato ainda pode ser. Difícil? Creio que não.
É possível simplificar.
Uma árvore é um ato de potencia de se tornar inúmeras cadeiras. Afinal, uma
arvore é matéria-prima que poderá se transformar naquilo que o marceneiro
determinar. A árvore é ato, mas cadeira em potencia, da mesma forma como pode
ser também uma mesa.
As categorias de ato e
potencia conferem uma dinâmica para vida. Além delas, Aristóteles estabelece
duas outras que serão fundamentais para nossa reflexão. São as categorias de
essência e acidente.
Essência é o fundamento
que gera a realidade, isto é, que a faz ser o que é, a essência da identidade
ao ser, refere-se ao âmago daquilo que é. Já o acidente é apenas um elemento
que se refere á essência, mas que não é determinante para o que é essencial. Exemplo
que ajuda entender: uma flor( essência) pode ser grande ou pequena (acidente).
O tamanho da flor não modifica a sua condição essencial. É uma flor, mesmo
pequena.
Trazemos aqui as categorias
aristotélicas para que elas nos ajudem a entender o processo da liberdade em
nós.
Para a antropologia
teológica cristã, a liberdade é considerada a partir do dom que se concretiza
aos poucos, por meio do esforço humano. Apesar de livres, ainda experimentamos
prisões em nossa vida. É por isso que podemos nos compreender como realidades
processuais, isto é, estamos em constante processo de feitura. O ser humano se
constrói aos poucos. Tudo já está nela, mas é preciso conquistar-se, alcançar a
essência; caso contrario, corre-se o risco de morrer sem ter chegado ao que
essencialmente se é.
O fundamento já nos foi
entregue, mas o que agora temos diante de nossos olhos é a árdua tarefa de
levantar as paredes da construção que podemos ser. Cada ser humano, ao seu moda
e tempo, vive essa aventura de desvendar-se .
O autoconhecimento é
condição irrenunciável para existência feliz e realizadora. É por meio dele que
a pessoa alcançará o instrumental de sua realização. Visto que o
desenvolvimento de possibilidades e limites. Nenhuma realização é possível
quando se desconsideram os elementos constitutivos da sua condição. O ser
humano é poder, mas também é carecer. Ser por um lado temos as possibilidades,
por outro temos as carências.
A liberdade é elemento
constitutivo do ser humano; é estatutos, condição, mas precisa ser considerada
como dom que se desdobra na tarefa.
Parece estranho, mas é
simples. A liberdade que há entre nós precisa ser libertada. Assim como a
semente( uma árvores em potência) condensa todas as possibilidades da árvore
que um dia virá ( uma semente em ato), também o ser humano condensa em si
inúmeras possibilidades que dependerão de atos que as desencadearão.
A semente já é árvore,
mas em potencial. Terá de passar pelo processo de superar todas as adversidades
de seu espaço, para finalmente chegar a ser o que já era em potencial. Será
necessário crescer, lutar para alcançar tudo o que já é, mas em potencial.
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