A sociedade há de
encontrar na fé a nota indispensável e insubstituível da sua sinfonia perdida.
Pensam muitos que para se conquistar essa harmonia basta a correção no âmbito
da política partidária. Trata-se de aspecto importante, mas que não é
suficiente. Há um longo caminho de reconstrução das cidadanias para vencer
mediocridades. É preciso reagir, com investimentos urgentes e indispensáveis,
na educação, em reformas, no cultivo da sensibilidade social, da consciência de
que se pertence a um povo. De modo especial, é importante investir na fé,
tesouro que
alicerça a vida,
ilumina a razão, inspira e equilibra a conduta humana.
A Palavra de Deus, na
Carta aos Hebreus, capítulo 11, bem define esse tesouro: “A fé é a certeza daquilo
que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se veem”. Cultivá-la
provoca transformações profundas que são capazes de devolver, a cada pessoa, o
brilho sagrado que reside no coração humano. Por isso mesmo, não é permitida a
nenhuma confissão religiosa contemporizar com as manipulações a respeito dos
entendimentos sobre Deus e a fé n’Ele professada, para alcançar certos
objetivos questionáveis.
Cultura e sociedade
Os líderes religiosos
têm grande responsabilidade e não podem retardar a reação diante dessas
manipulações que ocorrem a partir de meios de comunicação bem estruturados, de
certas práticas alicerçadas na irracionalidade que, por isso mesmo, são
incapazes de gerar transformações necessárias na cultura e na sociedade.
Situações diversas que impedem o surgimento de novos horizontes, só alcançados
pela fé, por sua vivência, a partir da coragem profética e mística de seu
testemunho.
Compreende-se a fé não
como prática piedosa, no sentido de se reservá-la a sacristias, ou como força a
ser buscada simplesmente pelo viés milagreiro, conduta que muitas vezes apenas
alimenta cofres, justifica nomes e deixa, em segundo plano, o que é essencial e
urgente no que se refere a respostas cidadãs. A fé é uma luz que deve incidir
sobre todas as relações sociais, desdobrando-se em gestos de solidariedade.
Toda autêntica
manifestação da fé é experiência de fraternidade, sustentada pelo
reconhecimento da paternidade de Deus. No centro dessa experiência está o amor
do Pai, que não deixa obscurecer a preciosidade singular da vida humana. Assim,
a fé leva o homem a preservar o seu lugar no universo, sem que se extravie da
sua natureza. Quem cultiva a fé torna-se cada vez mais consciente da própria
responsabilidade moral, demove-se da pretensão de ser árbitro absoluto de tudo
e não corre o risco oneroso e destruidor de achar que tem o direito de
manipular outras pessoas.
Justiça
É verdade que a justa
ordem da sociedade e do estado é dever da política e, como afirma Santo
Agostinho, “um estado que não se rege segundo a justiça, se reduz a uma grande
banda de ladrões, porque a justiça é o objetivo e a medida intrínseca de toda
política”. Na busca pela realização da justiça, a política necessita da fé, que
tem propriedades para iluminar a razão a partir da experiência do encontro com
o Deus. Essa experiência ultrapassa a dimensão simplesmente racional. Nesse
sentido, a fé possibilita à razão realizar melhor a sua tarefa de configurar a
cidadania nos parâmetros necessários para a construção de uma sociedade melhor.
Por tudo isso, é
possível reconhecer a importância de cultivar e sempre ter apreço pelo
patrimônio da fé enraizado na cultura de um povo. Um dom que exige atenção
redobrada no seu cuidado. Eis um compromisso de todos, de governos também, para
que a genuinidade da fé fecunde cidadanias e reconduza a sociedade aos caminhos
da
justiça, do bem, às
veredas da verdade e da fraternidade.
Por Dom Walmor Oliveira
de Azevedo – Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
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