quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O “Átrio dos Gentios” do Vaticano convoca a inteligência artificial

 
Miriam Diez Bosch



Quem garante o uso ético dessa tecnologia?

Qual o impacto que a inteligência artificial tem – e terá – sobre a humanidade? Filósofos, cientistas e acadêmicos debateram esta questão durante uma conferência que aconteceu recentemente na Embaixada da Itália na Santa Sé, em Roma, como parte da série de eventos culturais do “Courtyard of the Gentiles” (Átrio dos Gentios), uma iniciativa organizada pelo Vaticano.

O cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura (www.cultura.va), participou do encontro e destacou alguns dos novos desafios que a inteligência artificial traz.

– As capacidades extraordinárias que estão sendo dadas às máquinas podem acabar mudando a condição humana tal como a conhecemos: correr, cozinhar, dirigir, ler, escrever, compor e até aprender da experiência são atividades que as máquinas poderão fazer de forma autônoma. Devemos considerar as grandes possibilidades que esses avanços abrem, bem como os riscos significativos e muito reais.

– O cardeal Ravasi explicou que o Papa Francisco, em Laudato Sì, apresentou a questão do paradigma tecnocrático, em que – o Papa explica – “aqueles com o conhecimento, e especialmente os recursos econômicos” para usar o poder que nos dá a tecnologia, têm “uma dominação impressionante sobre toda a humanidade e o mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tal poder sobre si mesmo, mas nada garante que isso será usado com sabedoria, particularmente quando consideramos como isso está sendo usado atualmente”.

Além disso, é um paradigma que faz do progresso científico um meio de poder e dinheiro, sem muita consideração pelo certo ou o errado. “Não podemos pretender ter uma ética sólida, uma cultura e espiritualidade verdadeiramente capazes de estabelecer limites e ensinar autocontrole”, adverte Papa Francisco. É por isso que, na opinião de Ravasi, devemos refletir sobre tecnologia a partir de várias disciplinas e perspectivas. “Um verdadeiro cientista nunca é apenas um técnico… ele é alguém que considera todo o panorama… em que estamos imersos”, enfatizou.

– A inteligência humana veio em primeiro lugar. Devemos lembrar que outros tipos de inteligência foram criados por um tipo original de inteligência: a dos seres humanos. Ravasi questionou o significado do termo “inteligência artificial” e abriu um debate sobre se esse conceito é ou não um paradoxo.

– Não estamos lidando com “personalidade”, mas com “razão”. Ravasi critica o termo “pessoa eletrônica”. Na realidade, ele disse, o conceito de personalidade não é aplicável à inteligência artificial; “a consciência ainda é a prerrogativa da pessoa humana, que está na origem da razão e do pensamento”.

– Houve descobertas “extraordinárias e impressionantes”, sobretudo no campo da atenção à saúde: De acordo com o Pe. Benanti – que também participou do Átrio e foi citado pelo cardeal em uma entrevista à Rádio Vaticano – precisamos destacar a utilidade e as vantagens de ter inteligência artificial para gerenciar a informação da saúde, para fins que serão muito vantajosos para a humanidade. No entanto, existem dois grandes riscos: a perda de emprego e o uso indevido da tecnologia de forma a ampliar a distância entre os ricos e os pobres. Ou, o uso da tecnologia pode atingir o objetivo de eliminar a morte e, consequentemente, transformar a condição humana? Esta questão, intimamente relacionada com as reflexões do cardeal Ravasi, foi proposta por Alberto Cortina, autor do livro Human, or Posthuman, publicado por Fragmenta.

– Quando a ciência progride, é irreversível, mas precisamos nos perguntar sobre o papel da consciência, que sempre foi considerada uma característica distintiva dos seres humanos, o que os torna responsáveis ​​por suas próprias ações, capazes de distinguir entre o bem e o mal. Um cérebro artificial capaz de imitar o comportamento humano está longe de ter liberdade autêntica, explicou Ravasi, e sublinhou que mesmo o famoso astrofísico Stephen Hawking alertou contra o uso desenfreado da tecnologia.

“Até que as pessoas vejam robôs nas ruas matando pessoas, elas não sabem como reagir porque isso parece ilusão”, advertiu Elon Musk, CEO da Tesla, em julho, no National Governors Association Summer Meeting. Musk insistiu na necessidade de regular a inteligência artificial antes que “seja muito tarde”.

Quem garante o uso ético dessa tecnologia? O cardeal levantou esta questão e reiterou que é necessário reunir tecnologias e áreas humanísticas de estudo, como filosofia e teologia. A tecnologia não pode regular a si mesma. O mundo das humanidades tem um papel importante a desempenhar; filosofia, cultura, teologia e religião se concentram em estudar o único verdadeiro assunto de liberdade e responsabilidade, que é a pessoa humana.

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