Miriam
Diez Bosch
Quem garante o uso ético dessa tecnologia?
Qual o impacto que a
inteligência artificial tem – e terá – sobre a humanidade? Filósofos,
cientistas e acadêmicos debateram esta questão durante uma conferência que
aconteceu recentemente na Embaixada da Itália na Santa Sé, em Roma, como parte
da série de eventos culturais do “Courtyard of the Gentiles” (Átrio dos
Gentios), uma iniciativa organizada pelo Vaticano.
O cardeal Gianfranco
Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura (www.cultura.va),
participou do encontro e destacou alguns dos novos desafios que a inteligência
artificial traz.
– As capacidades
extraordinárias que estão sendo dadas às máquinas podem acabar mudando a
condição humana tal como a conhecemos: correr, cozinhar, dirigir, ler,
escrever, compor e até aprender da experiência são atividades que as máquinas
poderão fazer de forma autônoma. Devemos considerar as grandes possibilidades
que esses avanços abrem, bem como os riscos significativos e muito reais.
– O cardeal Ravasi
explicou que o Papa Francisco, em Laudato Sì, apresentou a questão do paradigma
tecnocrático, em que – o Papa explica – “aqueles com o conhecimento, e
especialmente os recursos econômicos” para usar o poder que nos dá a
tecnologia, têm “uma dominação impressionante sobre toda a humanidade e o mundo
inteiro. Nunca a humanidade teve tal poder sobre si mesmo, mas nada garante que
isso será usado com sabedoria, particularmente quando consideramos como isso
está sendo usado atualmente”.
Além disso, é um
paradigma que faz do progresso científico um meio de poder e dinheiro, sem
muita consideração pelo certo ou o errado. “Não podemos pretender ter uma ética
sólida, uma cultura e espiritualidade verdadeiramente capazes de estabelecer
limites e ensinar autocontrole”, adverte Papa Francisco. É por isso que, na
opinião de Ravasi, devemos refletir sobre tecnologia a partir de várias
disciplinas e perspectivas. “Um verdadeiro cientista nunca é apenas um técnico…
ele é alguém que considera todo o panorama… em que estamos imersos”, enfatizou.
– A inteligência humana
veio em primeiro lugar. Devemos lembrar que outros tipos de inteligência foram
criados por um tipo original de inteligência: a dos seres humanos. Ravasi
questionou o significado do termo “inteligência artificial” e abriu um debate
sobre se esse conceito é ou não um paradoxo.
– Não estamos lidando
com “personalidade”, mas com “razão”. Ravasi critica o termo “pessoa
eletrônica”. Na realidade, ele disse, o conceito de personalidade não é
aplicável à inteligência artificial; “a consciência ainda é a prerrogativa da
pessoa humana, que está na origem da razão e do pensamento”.
– Houve descobertas
“extraordinárias e impressionantes”, sobretudo no campo da atenção à saúde: De
acordo com o Pe. Benanti – que também participou do Átrio e foi citado pelo
cardeal em uma entrevista à Rádio Vaticano – precisamos destacar a utilidade e
as vantagens de ter inteligência artificial para gerenciar a informação da
saúde, para fins que serão muito vantajosos para a humanidade. No entanto,
existem dois grandes riscos: a perda de emprego e o uso indevido da tecnologia
de forma a ampliar a distância entre os ricos e os pobres. Ou, o uso da
tecnologia pode atingir o objetivo de eliminar a morte e, consequentemente,
transformar a condição humana? Esta questão, intimamente relacionada com as
reflexões do cardeal Ravasi, foi proposta por Alberto Cortina, autor do livro
Human, or Posthuman, publicado por Fragmenta.
– Quando a ciência
progride, é irreversível, mas precisamos nos perguntar sobre o papel da
consciência, que sempre foi considerada uma característica distintiva dos seres
humanos, o que os torna responsáveis por suas próprias ações, capazes de
distinguir entre o bem e o mal. Um cérebro artificial capaz de imitar o
comportamento humano está longe de ter liberdade autêntica, explicou Ravasi, e
sublinhou que mesmo o famoso astrofísico Stephen Hawking alertou contra o uso
desenfreado da tecnologia.
“Até que as pessoas
vejam robôs nas ruas matando pessoas, elas não sabem como reagir porque isso
parece ilusão”, advertiu Elon Musk, CEO da Tesla, em julho, no National
Governors Association Summer Meeting. Musk insistiu na necessidade de regular a
inteligência artificial antes que “seja muito tarde”.
Quem garante o uso
ético dessa tecnologia? O cardeal levantou esta questão e reiterou que é
necessário reunir tecnologias e áreas humanísticas de estudo, como filosofia e
teologia. A tecnologia não pode regular a si mesma. O mundo das humanidades tem
um papel importante a desempenhar; filosofia, cultura, teologia e religião se
concentram em estudar o único verdadeiro assunto de liberdade e responsabilidade,
que é a pessoa humana.
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