Rumo à Santidade
Diretamente dos
escritos de Santo Afonso Maria de Ligório
Sumário. Imaginemos ver
uma alma que faz a sua primeira entrada no céu. Ó Deus! Qual será a sua
consolação ao entrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao ver os
parentes e amigos, os Anjos e os Santos; ao beijar os pés de Maria Santíssima,
ao receber os amplexos de Jesus Cristo; ao ser abençoada pelo Pai celestial.
Pois bem, é um ponto de nossa fé que gozaremos igual consolação, contanto que
vivamos bem, ao menos durante o tempo que ainda nos resta. Ó dulcíssima
esperança, tu nos deves confortar no meio das nossas mais duras tribulações.
I. Oh Deus! Que dirá a
alma ao entrar no reino bem-aventurado do Céu? Imaginemos ver morrer essa
virgem, esse jovem, que, tendo-se consagrado ao amor de Jesus Cristo, e,
chegada a hora da morte, vai deixar esta terra. Sua alma apresenta-se para ser
julgada; o Juiz acolhe-a com bondade e lhe declara que está salva. O seu Anjo
da guarda vem ao seu encontro e mostra-se todo contente; ela lhe agradece toda
a assistência recebida, e o anjo responde-lhe: Alegra-te, alma formosa; já
estás salva; vem contemplar a face do teu Senhor.
Eis que a alma se eleva
acima das nuvens, acima do firmamento e de todas as estrelas: entra no Céu. Que
dirá ao penetrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao lançar o
primeiro olhar sobre essa cidade de delícias? Os Anjos e os Santos saem-lhe ao
encontro e lhe dão, jubilosos, as boas vindas. Que consolação experimentará ao
encontrar ali os parentes e amigos que a precederam, e os seus gloriosos
protetores! A alma quererá prostrar-se diante deles; mas os Santos lhe dirão:
Guarda-te de o fazer; porque somos servos como tu: “Vide ne feceris; conservus
tuus sum” (1).
Ela irá depois beijar
os pés de Maria, a Rainha do paraíso. Que ternura não experimentará ao ver pela
primeira vez essa divina Mãe, que tanto a ajudou a salvar-se! Então a alma verá
todas as graças que Maria lhe alcançou. A Rainha celestial abraça-a
amorosamente e a conduz a Jesus que a acolhe como esposa e lhe diz: “Veni de
Libano, sponsa mea; veni, coronaberis” – “Vem do Líbano, esposa minha; vem,
serás coroada” (2). Regozija-te, esposa querida, passaram já as lágrimas, as
penas, os temores: recebe a coroa eterna que te alcancei a preço de meu sangue.
Ah, meu Jesus! Quando chegará o dia em que eu também ouvirei de tua boca estas
doces palavras?
II. Jesus mesmo
acompanhará a alma bem-aventurada afim de receber a bênção de seu Pai divino,
que a abraçará carinhosamente e a abençoará, dizendo: “Intra in gaudium Domini
tui” – “Entra no gozo do teu Senhor” (3), e então fala-á participar da sua
própria gloriosa beatitude.
Meu Deus, aqui tendes a
vossos pés um ingrato, que foi criado por Vós para o Céu, mas que muitas vezes,
na vossa presença, o renunciou por indignos prazeres, consentindo em ser
condenado ao inferno. Espero que já me haveis perdoado todas as injúrias que
Vos fiz e de que de novo me arrependo e quero arrepender-me até à morte. Quero
também que Vós sempre as torneis a perdoar-me. Mas, ó Jesus, embora já me
tenhais perdoado, sempre ficará sendo verdade que tive a audácia de
amargurar-Vos, meu Redentor, que, para me conduzir ao vosso reino,
sacrificastes a própria vida. Para sempre seja louvada e abençoada a vossa
misericórdia, ó meu Jesus, que me haveis aturado com tamanha paciência, e que,
em vez de me punir, multiplicastes para comigo as graças, as luzes e os
convites.
Vejo, meu amantíssimo
Salvador, que quereis deveras a minha salvação; quereis ver-me em vosso reino
para eu Vos amar eternamente; mas quereis que primeiramente Vos ame nesta
terra. Sim, quero Vos amar. Ainda que não houvesse paraíso, quisera amar-Vos
por toda a vida, com toda a minha alma, com todas as minhas forças. Basta-me
saber que Vós, meu Deus, desejais ser amado por mim. Assisti-me, meu Jesus, com
a vossa graça; não me abandoneis. Minha alma é eterna; estou, pois, na
alternativa de Vos amar ou de Vos odiar eternamente! O que eu quero é amar-Vos
eternamente; quero amar-Vos muito nesta vida para Vos amar muito na outra.
Disponde de mim como Vos aprouver; castigai-me como quiserdes; não me priveis
do vosso amor, e depois fazei de mim segundo a vossa vontade. Meu Jesus, os
vossos méritos são a minha esperança. Ó Maria, ponho toda a minha confiança na
vossa intercessão. Livrastes-me do inferno, quando estava em pecado; agora, que
desejo só a Deus, deveis salvar-me e tornar-me santo.
Referências:
(1) Ap 22, 9
(2) Ct 4, 8
(3) Mt 25, 21
(LIGÓRIO, Afonso Maria
de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima
Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo:
Herder & Cia, 1922, p. 159-162)
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