sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Por que as novelas fazem tanto sucesso?

Padre Paulo Ricardo


Como explicar que, por causa de uma telenovela, uma questão como a ideologia de gênero se torne, de uma hora para outra, a nova modinha entre os brasileiros?

Não se fala em outra coisa. Desde que a Rede Globo resolveu aderir ao discurso da ideologia de gênero, colocando uma personagem “trans-homem-gay” na sua principal telenovela, A Força do Querer, o assunto voltou a causar sensação na opinião pública, que, levada pelos sofisticados mecanismos de sedução midiática, se mostra mais uma vez suscetível às campanhas de “conscientização ética” promovidas pela emissora carioca. Só no Twitter, a novela das 9 já foi comentada 2,5 milhões de vezes.

Mas o que explica que uma questão como a ideologia de gênero, repudiada em todo o Brasil nas várias audiências públicas sobre os Planos de Educação, se torne, de uma hora para outra, a nova modinha entre os brasileiros? Por que, afinal de contas, as novelas fazem tanto sucesso?

Na história das civilizações, os homens sempre criaram fábulas para narrar acontecimentos importantes ou transmitir alguma lição de moral às novas gerações. Mitos como o Labirinto de Cretaou a lendária figura do Rei Arthur não tinham apenas a tarefa de entreter uma sociedade fatigada pela rotina do cotidiano, mas também a de oferecer respostas concretas aos dramas existenciais, de sorte que, olhando para o desfecho dessas histórias, o homem pudesse superar seus desafios e crescer como pessoa, conforme explica o mitologista Joseph Campbell: “A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar, opondo-se àquelas outras fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás” [1].


Baseado nos estudos de psicanálise, Campbell concluiu que as figuras míticas seriam, na verdade, produtos da própria espontaneidade humana, que procura nessas histórias a razão de sua existência, bem como as respostas éticas e políticas necessárias ao seu sadio desenvolvimento. Isso explicaria por que os mitos, por mais diferentes que sejam, contam sempre uma única e mesma história: a jornada do herói — chamado à aventura, iniciação, auxílio de algum sábio ou amigo, batalhas preparatórias, desafio final, morte e ressurreição — até o seu retorno à normalidade da vida; porque seriam projeções da vida real que, como retratam os mitos, também precisa passar por várias transições de morte e ressurreição. Daí que Joseph Campbell tenha dado ao seu mais importante livro o sugestivo título de O herói de mil faces.


Essa missão de oferecer os arquétipos adequados ao comportamento social foi, em nossa época, assumida pelo cinema e pela novela, como produtos da cultura de massa, isto é, aquilo que é artificialmente fabricado para o consumo da população. De acordo com o sociólogo Edgar Morin, “todo um setor das trocas entre o real e o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no modo estético, através das artes, dos espetáculos, dos romances, das obras ditas de imaginação” [2]. Eis o motivo de as novelas fazerem tanto sucesso. Em tese, elas deveriam ser como que um espelho em que cada pessoa poderia encontrar refletida a própria identidade.

A cultura de massa, explica Morin, “constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária”, cuja tarefa essencial é a de alimentar “o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma)” [3]. Desse modo, os filmes e as novelas repetem as fórmulas típicas das narrativas mitológicas, apresentando, com leves alterações, sempre uma única estrutura de roteiro, com o objetivo de prender a atenção do público por meio de um sistema de “projeção e identificação”. Morin afirma:

Assim, feita de modo estético, a troca entre o real e o imaginário é, se bem que degradada (ou ainda que sublimada ou demasiado sutil), a mesma troca que entre o homem e o além, o homem e os espíritos ou os deuses que se fazia por intermédio do feiticeiro ou do culto. A degradação — ou o supremo requinte — é precisamente essa passagem do mágico (ou do religioso) para a estética [4].

Com efeito, os produtos da cultura de massa transformam-se em um perigoso instrumento de subversão, quando decidem alterar o sentido da mitologia tradicional para oferecer, em seu lugar, as fantasias que levam o ser humano para trás. Esses produtos corrompem o coração do homem que está à procura de arquétipos viris como um Heitor ou um Aquiles e, em vez disso, encontra o duvidoso “trans-homem-gay”, uma figura absolutamente instável e sem identidade clara. O efeito desse esquema de manipulação sobre uma determinada sociedade é devastador, como denuncia Campbell: “Pode ser que a incidência tão grande de neuroses em nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxílio espiritual efetivo (os mitos)”, coisa que nos mantém “ligados às imagens não exorcizadas da nossa infância, razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens da nossa vida adulta” [5].


O “trans-homem-gay” , longe de oferecer as condições para que um rapaz se torne um homem maduro, prende-o, ao contrário, às suas rebeldias de adolescente, época em que seu maior “inimigo” era a própria família. Por meio de um tratamento super apelativo, os telespectadores são induzidos a considerá-lo um herói, ao passo que seus pais se tornam objeto de repúdio, porque não aceitam a mudança do filho. A ideia que fica é esta: a mudança de sexo é uma coisa absolutamente “tranquila” e “necessária” para a realização pessoal da personagem, cuja única ameaça ao horizonte de sua felicidade seria, como sugere a novela, a “homofobia” dos familiares. Acontece exatamente o que Edgar Morin denuncia como um dos efeitos malignos da cultura de massa: ela “destituiu parcialmente a família, a escola, a pátria, de seu papel formador, na medida em que os ‘modelos’ do pai, do educador, dos grandes homens foram vencidos pelos novos modelos de cultura que lhes fazem concorrência” [6].

Em qualquer sociedade mentalmente sadia e consciente do alto número de suicídios entre “transgêneros” — causados, atenção, pela angústia que o processo de mudança de sexo gera na intimidade da pessoa, não por uma suposta homofobia —, a novela A Força do Querer seria ridicularizada. Mas estamos no Brasil e “a novela”, como declarou a escritora Glória Perez à revista Veja, “é a crônica do nosso cotidiano” [7]. Ou, ao menos, busca sê-lo.

A influência das produções globais sobre o comportamento dos brasileiros está para além do mero entretenimento. Folhetins como Roque Santeiro, Verão Vermelho e, mais recentemente, Amor à Vida tiveram a missão de introduzir na sociedade debates a respeito do celibato, do divórcio e do homossexualismo, temas antes considerados “tabus” para a maioria da população. Não por acaso, uma pesquisa realizada em 2008 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento revelou que as novelas da Rede Globo estão intimamente relacionadas com a redução da natalidade e com o aumento no número de separações no país. Agora é a vez da ideologia de gênero.

“Se no futuro alguém pesquisar como se vivia no Brasil”, enfatizou Glória Perez à revista Veja, “será ela (a novela) que vai ensinar isso” [8]. Que as próximas gerações tenham pena de nós!

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