Padre Paulo Ricardo
Por cada pecado mortal
perdoado, uma alma precisaria passar, em média, por sete anos no Purgatório.
Conheça esta e outras revelações recebidas por duas místicas da Igreja Católica
Aprouve a Deus mostrar
em espírito as sombrias moradas do Purgatório a algumas almas privilegiadas, as
quais revelariam os mistérios dolorosos que aí se passavam para a edificação
dos fiéis [1].
Foi deste número a
ilustre Santa Francisca, fundadora das Oblatas, que morreu em Roma, a 9 de
março de 1440. Deus a favoreceu com grandes luzes a respeito do estado das
almas na outra vida. Ela viu o Inferno e os seus horríveis tormentos; viu
também o interior do Purgatório e a ordem misteriosa — quase como uma “hierarquia
de expiações” — que reina nesta parte da Igreja de Jesus Cristo.
“Santa Francisca Romana
dando esmolas”, de Giovanni Battista Gaulli.
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Em obediência a seus
superiores, que se viram obrigados a lhe imporem esta obrigação, ela deu a
conhecer tudo quanto Deus lhe havia manifestado; e suas visões, escritas a
pedido do venerável cônego Matteotti, seu diretor espiritual, gozam de toda a
autenticidade que se pode desejar nessas matérias.
A serva de Deus declara
que, depois de ter suportado com horror indescritível a visão do Inferno, saiu
daquele abismo e foi conduzida por seu guia celestial até as regiões do
Purgatório. Ali não reinava nem o terror nem a desordem, nem o desespero nem a
escuridão eterna; ali a esperança divina difundia sua luz, de modo que, como
lhe disseram, este lugar de purificação também era chamado de “estadia de
esperança”. Ela viu ali almas que sofriam cruelmente, mas anjos as visitavam e
assistiam em seus sofrimentos.
O Purgatório, ela
dizia, é dividido em três partes distintas, que são como que as três grandes
províncias daquele reino de sofrimento. Elas estão situadas uma abaixo da
outra, e são ocupadas por almas de diferentes ordens, estando estas mais
profundamente submersas quanto mais contaminadas e distantes estiverem da hora
de sua libertação.
Santa Francisca Romana
viu no Purgatório almas que sofriam cruelmente, mas os anjos de Deus as
visitavam e assistiam em seus sofrimentos.
A região mais baixa é
repleta de um fogo violento, mas não tão obscuro quanto o do Inferno; trata-se
de um vasto mar de fogo, do qual são expelidas chamas imensas. Inumeráveis
almas encontram-se mergulhadas nessas profundezas: são aquelas que se tornaram
culpadas de pecados mortais, devidamente confessados, mas não suficientemente
expiados em vida.
A serva de Deus então
aprendeu que, por cada pecado mortal perdoado, resta à alma culpada passar por
um sofrimento de sete anos [2]. Esse prazo não pode evidentemente ser encarado
como uma medida definitiva, mas como uma pena média, já que pecados mortais
diferem em enormidade. Ainda que as almas estejam envoltas pelas mesmas chamas,
seus sofrimentos não são os mesmos: eles variam de acordo com o número e a
natureza dos pecados cometidos.
Neste Purgatório mais
baixo a santa notou a presença de leigos e de pessoas consagradas a Deus. Os
leigos eram aqueles que, depois de uma vida de pecado, tiveram a alegria de se
converterem sinceramente; as pessoas consagradas a Deus eram aquelas que não
haviam vivido de acordo com a santidade do seu estado de vida.
Naquele mesmo momento,
ela viu descer a alma de um sacerdote conhecido dela, mas cujo nome ela não
revela: o padre tinha a face coberta com um véu que escondia uma mancha. Embora
tenha levado uma vida edificante, este padre não havia sempre observado com
rigor a virtude da temperança, tendo procurado mui ardentemente as satisfações
da mesa.
Por cada pecado mortal
perdoado, resta à alma culpada passar por um sofrimento de, em média, sete anos
no Purgatório.
A santa foi conduzida
então ao Purgatório intermediário, destinado para as almas que haviam merecido
um castigo menos rigoroso. Aí havia três distintos compartimentos: um que
lembrava um imenso calabouço de gelo, cujo frio era indescritivelmente intenso;
o segundo, ao contrário, era como um grande caldeirão de óleo e massa fervente;
o terceiro tinha a aparência de um lago de metal líquido semelhante a ouro ou
prata fundidos.
O alto Purgatório, que
a santa não descreve, é a morada temporária das almas que menos sofrem — com
exceção da pena de perda [3] —, e estão muito próximas do feliz momento de sua
libertação.
Tal é, em substância, a
visão de Santa Francisca Romana relativa ao Purgatório.
O que segue, agora, é
um registro de Santa Maria Madalena de Pazzi, uma carmelita de Florença, tal
como vai relatado em sua biografia, escrita pelo pe. Cepare. Sua revelação dá
uma figura mais completa do Purgatório, ao passo que a visão precedente não faz
senão traçar os seus contornos.
Santa Maria Madalena de Pazzi, em uma pintura de Pedro de Moya |
Algum tempo antes de
sua morte, que aconteceu em 1607, a serva de Deus, M.ª Madalena de Pazzi,
estando uma noite com várias outras religiosas no jardim do convento, foi
arrebatada em êxtase e viu o Purgatório aberto diante de si. Ao mesmo tempo,
como ela deu a conhecer depois, uma voz lhe fez o convite para visitar todas as
prisões da Justiça divina e contemplar como são verdadeiramente dignas de
compaixão todas as almas detidas neste lugar.
Neste momento, ouviu-se
ela dizer: “Sim, eu irei”, consentindo em empreender esta dolorosa jornada. De
fato, ela caminhou por duas horas em torno do jardim, o qual era muito grande,
fazendo pausas de tempos em tempos. A cada vez que interrompia o passo, ela
contemplava atentamente os sofrimentos que lhe eram mostrados. Ela foi vista,
então, apertando com força as mãos e pedindo compaixão, seu rosto tornou-se
pálido e seu corpo curvou-se sob o peso do sofrimento, em presença do terrível
espetáculo com o qual ela se confrontava.
A santa começou a
lamentar em alta voz: “Misericórdia, meu Senhor, misericórdia! Descei, ó Sangue
Precioso, e libertai estas almas de sua prisão. Pobres almas! Sofreis tão
cruelmente e, no entanto, estais tão contentes e alegres. Os cárceres dos
mártires, em comparação com estes, eram jardins de deleite. Não obstante,
existem outros ainda mais profundos. Quão feliz sorte seria a minha, se não
fosse obrigada a descer para estes lugares!”
“Pobres almas! Sofreis
tão cruelmente e, no entanto, estais tão contentes e alegres.”
Ela desceu, no entanto,
porque foi forçada a continuar seu caminho. Tendo dado alguns passos, porém,
ela parou aterrorizada e, suspirando, gritou: “Quê? Até religiosos nesta morada
sombria! Bom Deus, como eles são atormentados! Ah, Senhor!” A santa não explica
a natureza dos sofrimentos que tinha diante dos olhos, mas o horror que ela
manifestava ao contemplá-los fazia com que ela suspirasse a cada passo que
dava.
Daí ela passou a
lugares menos obscuros. Eram as prisões das almas simples e de crianças nas
quais a ignorância e a falta de razão extenuaram muitas faltas. Seus tormentos
pareciam à santa muito mais suportáveis que os das outras pessoas. Nada havia
ali a não ser gelo e fogo. Ela notou que estas almas tinham consigo seus anjos
da guarda, os quais as fortificavam enormemente com sua presença; mas ela
também via demônios cujas formas pavorosas faziam aumentar seus sofrimentos.
Avançando um pouco mais
o passo, ela viu almas ainda mais desafortunadas, e ouviu-se ela gritar: “Ó,
quão horrível é este lugar! Ele é cheio de demônios horrendos e tormentos
inacreditáveis! Quem, ó meu Senhor, são as vítimas dessas cruéis torturas? Ai!
Elas estão sendo perfuradas com espadas afiadas, elas estão sendo cortadas em
pedaços.” Foi-lhe revelado, então, que aquelas eram as almas cuja conduta havia
sido contaminada pela hipocrisia.
Avançando um pouco, ela
viu uma grande multidão de almas que eram feridas, por assim dizer, e esmagadas
sob uma prensa; e ela entendeu que aquelas eram as almas que se haviam apegado
à impaciência e à desobediência durante suas vidas. Ao contemplá-las, os
olhares, os suspiros e toda a atitude da santa exprimiam compaixão e terror.
O cárcere das almas que
haviam se manchado com a impureza era tão sujo e pestilento, que a visão deu
náuseas a Santa Madalena de Pazzi.
Um momento depois sua
agitação aumentou, e a santa soltou um grito terrível. Era o cárcere dos
mentirosos que agora se abria diante dela. Depois de o considerar atentamente,
ela gritou bem alto: “Os mentirosos são confinados em um lugar na vizinhança do
Inferno, e seus sofrimentos são excessivamente grandes. Chumbo fundido é
derramado dentro de suas bocas; eu os vejo queimar e, ao mesmo tempo, tremer de
frio.”
Ela foi então à prisão
daquelas almas que haviam pecado por fraqueza, e ouviu-se ela exclamar: “Ai! Eu
havia pensado que os encontraria entre aqueles que haviam pecado por ignorância,
mas eu me enganei; vós queimais com um fogo mais intenso.”
Mais adiante, ela
observou almas que se haviam apegado demais aos bens deste mundo e haviam
pecado por avareza. “Que cegueira”, ela disse, “ter buscado tão ardentemente
uma fortuna perecível! Aqueles a quem as riquezas não puderam saciar o
suficiente aqui são devorados com tormentos. Eles se fundem como metal na
fornalha ardente.”
Daí ela passou ao lugar
onde as almas aprisionadas haviam se manchado com a impureza. Ela as viu em um
cárcere tão sujo e pestilento que a visão lhe deu náuseas, e ela imediatamente
deu as costas àquele espetáculo repugnante. Vendo os ambiciosos e os orgulhosos,
ela disse: “Vede aqueles que quiseram brilhar diante dos homens! Agora estão
condenados a viver nesta escuridão pavorosa.”
Foram-lhe mostradas,
então, aquelas almas que haviam sido culpadas de ingratidão para com Deus. Elas
eram vítimas de tormentos indescritíveis e afogadas, por assim dizer, em um
lago de chumbo fundido, por haver feito secar, com sua ingratidão, a fonte da
piedade.
Muitas almas no
Purgatório tinham consigo seus anjos da guarda, que as fortificavam enormemente
com sua presença; mas havia também demônios cujas formas pavorosas faziam
aumentar seus sofrimentos.
Finalmente, em um
último cárcere, foram-lhe mostradas as almas que não se tinham dado a nenhum
vício em particular, mas que, por falta da devida vigilância sobre si mesmas,
cometeram todo tipo de faltas triviais. A santa notou que estas almas tomavam
parte nos castigos de todos os vícios, em um grau moderado, porque as faltas
que elas cometeram apenas de tempos em tempos tornaram-nas menos culpadas do
que aqueles que as tinham cometido habitualmente.
Após esta última
estação, a santa deixou o jardim, implorando a Deus que nunca mais a fizesse
testemunha de um espetáculo tão desolador: ela sentia que não tinha forças para
suportá-lo.
Seu êxtase continuou,
no entanto, e conversando com Jesus ela falou: “Dizei-me, Senhor, qual era o
vosso desígnio em descobrir-me aquelas terríveis prisões, das quais eu sabia
tão pouco e agora compreendo ainda menos? Ah, agora eu vejo: quisestes dar-me o
conhecimento de vossa infinita santidade e fazer-me detestar cada vez mais a
mínima mancha de pecado, tão abominável aos vossos olhos.”
Referências
Extraído e levemente adaptado da obra “Purgatory:
Explained by the Lives and Legends of the Saints” (c. VI), Londres: Burns &
Oates, 1893, pp. 11-16.
Notas
1.Vale a pena recordar
aquilo que ensina o Catecismo da Igreja Católica a respeito de revelações como
estas: “No decurso dos séculos houve revelações denominadas ‘privadas’, e
algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem,
contudo, ao depósito da fé. A função delas não é ‘melhorar’ ou ‘completar’ a
Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em
determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos
fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo
autêntico de Cristo ou de seus santos à Igreja.” (§ 67)]
2.Importante frisar: o
título desta matéria diz respeito aos pecados mortais devidamente confessados,
dos quais a alma, antes de morrer, efetivamente se arrependeu. Caso contrário,
a pena devida por eles não é o Purgatório, mas o Inferno.
3.“A pena de perda
consiste em estar privado, por um tempo, da visão de Deus, que é o supremo Bem,
o fim beatífico para o qual foram feitas as nossas almas, assim como nossos
olhos são para a luz. É um desejo ardente (moral thirst, lit., ‘sede moral’)
que tormenta a alma.” (“Purgatory…”, p. 24)
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