Infelizmente, como
veremos, a tendência intelectual natural do Homo sapiens, desde a aurora da
vida fetal até o seu último suspiro existencial, é seguir uma trajetória de
construção intelectual superficial. Uma trajetória socioeducacional em que ele
pouco se interioriza, pouco procura por si mesmo e pouco conhece a si mesmo.
Procurar a si mesmo é
explorar e produzir conhecimento sobre os processos de construção da
inteligência, ou seja, sobre os processos de construção dos pensamentos, sua
natureza, cadeias psicodinâmicas, limites, alcance, lógica, práxis, bem como sobre
a formação da consciência existencial, da história intrapsíquica arquivada na
memória, as bases que sustentam o processo de interpretação e as variáveis que
participam do processo de transformação da energia emocional.
Quem sai do discurso
intelectual superficial e procura "velejar" para dentro de si mesmo,
e vive a aventura ímpar de explorar sua própria mente, nunca mais será o mesmo,
ainda que fique perturbado num emaranhado de dúvidas sobre o seu próprio ser.
Aliás, ao contrário do que dizem os livros de auto-ajuda, a dúvida é o primeiro
degrau da sabedoria.
Quem não duvida e
critica a si mesmo nunca se posiciona como aprendiz diante da vida e, conseqüentemente,
nunca explora com profundidade seu próprio mundo intrapsíquico. Quem aprendeu a
vivenciar a arte da dúvida e da crítica na sua trajetória existencial se
posiciona como aprendiz diante da vida e, por isso, tem condições intelectuais
de repensar seus paradigmas socioculturais e expandir continuamente suas idéias
e maturidade psicossocial. Todos os pensadores, filósofos, teóricos e cientistas
que, de alguma forma, promoveram a ciência, as artes e as idéias humanistas
foram, ainda que minimamente, caminhantes nas trajetórias do seu próprio ser e
amantes da arte da dúvida e da crítica, enquanto produziam conhecimento sobre
os fenômenos que contemplavam.
O homem que aprende a
se interiorizar e a criticar suas "verdades", seus dogmas e seus paradigmas
socioculturais estimula a revolução da construção das idéias nos bastidores
clandestinos de sua mente. Assim, sai do superficialismo intelectual e, no mínimo,
aprende a concluir que os processos de construção da inteligência, dos quais se
destacam a produção das cadeias psicodinâmicas dos pensamentos e a formação da
consciência existencial do "eu", são intrinsecamente mais complexos
que uma explicação psicológica e filosófica meramente especulativa e
superficial, que chamo de explicacionismo, psicologismo, filosofismo.
O homem moderno tem
vivenciado, com freqüência, uma importante síndrome psicossocial doentia, a
qual chamo de "síndrome da exteriorização O ser humano, nos dias atuais,
freqüentemente só tem coragem de falar de si mesmo quando vai a um psicólogo ou
a um psiquiatra. Tem uma necessidade vital de que o mundo gravite em torno de si
mesmo. Para ele, doar-se para o outro sem esperar a contrapartida do retorno é
um absurdo existencial, um jargão intelectual, um delírio
humanístico.
O mundo
das idéias dos portadores da síndrome da exteriorização existencial tem pouco
espaço para uma compreensão psicossocial e filosófica da existência humana.
Aprender a
interiorizar-se é uma arte complexa e difícil de ser conseguida no terreno da
existência. O homem moderno tem sido um ávido consumidor de idéias positivistas
misticistas, psicologistas, como se tal consumo cumprisse, por ele, o papel inalienável
e intransferível de caminhar nas trajetórias sinuosas do seu próprio ser e de
aprender a expandir sua consciência crítica e maturidade intelecto-emocional.
(Inteligência Multifocal
- Augusto Cury)
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