Francisco Vêneto
"É sagrado o dever
de participar responsavelmente da vida pública e política"
É tristemente comum a
confusão que perdura no meio de muitos cidadãos, inclusive católicos, no
tocante à diferença entre política e politicagem, ou política e partidarismos.
O católico não deve fazer politicagem, mas deve fazer política. O católico não
deve se alinhar com partidarismos, mas deve se envolver seriamente na política.
Política não é ruim.
Ruim é politicagem. Ruim é partidarismo.
Política é apenas a
participação ativa e consciente nas decisões da sociedade, o que não é apenas
um direito, mas também uma obrigação moral: ninguém pode se isentar da sua cota
de responsabilidade nas decisões da sua própria comunidade. Somos TODOS
responsáveis, em alguma medida, pelos rumos da nossa pátria, do nosso Estado,
da nossa cidade, do nosso bairro, da nossa rua.
A Igreja deixa esta
responsabilidade bem clara na sua doutrina social – e o Papa Francisco nos
lembra disso com frequência. Veja, por exemplo, esta matéria:
O Santo Padre é
perfeitamente claro: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão”.
Mas de que política ele está falando?
A fim de reforçar esta
consciência, compartilhamos a seguinte mensagem de Dom Gil Antônio Moreira,
arcebispo de Juiz de Fora, no Estado brasileiro de Minas Gerais:
Consta dos princípios
cristãos o dever de colaborar com a sociedade na busca do bem comum. É
‘sagrado’ o dever de participar leal e responsavelmente da vida pública e
política, buscando uma sociedade justa, fraterna e pacífica. A Igreja faz isto
a partir do Evangelho cujo núcleo é a pessoa de Jesus Cristo, que veio para
salvar a pessoa humana de forma integral e definitiva.
Para esclarecer sobre a
participação do fiel cristão na vida pública, social e política, o Pontifício
Conselho “Justiça e Paz” publicou no ano de 2004 o Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, que estabelece balizas para este fim.
São João Paulo II, na
encíclica Sollicitudo Rei Socialis (1987), enfatizava que não é possível amar o
próximo como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem firme e constante
determinação de empenhar-se em prol do bem de todos e de cada um, porque todos
nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.
Já o Concílio Ecumênico
Vaticano II (1962-1965), na Constituição Conciliar Gaudium et Spes, proclamava
que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
hoje, são as mesmas da Igreja.
Este dever de
colaboração social é também um direito que a democracia, regime que todos
prezamos, garante a todos os cidadãos, independentemente de credo religioso. O
direito democrático prevê a liberdade de expressão e garante a liberdade
religiosa como algo inalienável na construção da civilização. Tais direitos
estão explícitos na Constituição Federal Brasileira nestes termos: Art. 5.º,
inciso VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. O inciso VIII garante
aos que creem o direito de expressão e todos os demais diretos comuns a todos
os demais cidadãos: ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para
eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei.
O referido direito é
internacionalmente reconhecido, como se pode ver na Declaração Universal dos
Direitos Humanos em seu artigo 18: Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião. Este direito importa a liberdade de
mudar de religião, ou convicção, bem assim a liberdade de manifestá-las,
isoladamente ou em comum, em público ou em particular, pelo ensino, pelas
práticas, pelo culto e pela observância dos ritos. Defendendo os mesmos
direitos, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário,
reza em seu artigo 12: Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de
religião.
Por esses e por outros
artigos de leis, nenhum governo, nenhum ideólogo nem qualquer outra pessoa
pode, em nome da laicidade, impedir ou cercear a ação dos cidadãos que
professam uma religião. Em nome da laicidade, ninguém, a não ser que seja
totalitarista ou deseje impor uma ditadura destruidora da democracia, pode
negar à Igreja o direito de existir e de se posicionar, de ensinar a seus fiéis
e de expressar publicamente suas convicções a respeito da dignidade humana,
mesmo porque, esta matéria não é um artigo da sua dogmática, mas faz parte de
uma ordem natural aceitável pela pura razão humana.
O Estado pode e deve
ser laico, mas não pode ser laicista, nem pode impor uma única religião a ser
seguida, como também não pode impor o ateísmo como regra geral ao seu povo,
mesmo porque isto já seria uma posição religiosa praticada por ele.
O povo brasileiro, em
sua imensa maioria, é fiel e temente a Deus e merece ser respeitado no que lhe
atribui a legislação. O respeito e a defesa do direito à prática religiosa são
indispensáveis para que haja paz e justiça para todos; do contrário, cair-se-ia
no caos social.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de
Fora
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